quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Crenças e ficções

A maior parte dos humanos tem alguma dificuldade em aceitar seu papel na natureza. Parece simples demai Parece verdadeiro demais.
E partem em busca do Santo Graal, nos confins de seu inconsciente.


A antiga tese do catastrofismo, defendida pelo naturalista suíço Charles Bonnet, entre outros, tentava explicar os fósseis antediluvianos, sendo centrada sua ideia principal sobre a periodicidade das grandes catástrofes no passado, envolvendo a totalidade da Terra. Bonnet acreditava que, após cada um desses formidáveis eventos geológicos, as formas vivas subiam um degrau na escala da vida, daí a substituição dos dinossauros por novas espécies. Previu também um vasto cataclismo futuro que faria dos símios homens e dos homens, anjos.
Embora isso não tenha ainda se realizado – tornarmo-nos todos anjos –, pensamentos equivocados, ainda que vindos de um cientista, muitas vezes permanecem e atravessam o tempo mesmo depois de comprovada sua insensatez. É o caso das superstições e, em geral, de toda forma de misticismo. Causa espanto a qualquer pessoa lúcida constatar a ascensão e a propagação sempre maior dessas correntes anacrônicas, tendo em vista que não habitamos a Alta Idade Média e sim o desenrolar do tão esperado terceiro milênio.
A ciência do século 20 nos levou à Lua, lançou sondas ao infinito e hoje nos traz rotineiramente imagens de todas as partes do universo. Mas os místicos chegaram antes, com isso demonstrando – talvez não propriamente por sua intenção – quão frágeis são os homens diante de  constatações apenas racionais. A carência de explicações menos desconfortáveis para a existência e a necessidade de algo que nos justifique para além de nossa condição animal tem sido a mãe de todas essas invenções. É preciso admitir que não sabemos tudo. E nem por isso nos deixarmos arrastar pela primeira fantasia que aparece.
Que se contem histórias de fadas e de fantasmas às crianças, tudo isso é muito salutar. O que impressiona é identificar adultos, entre diversas classes sociais e intelectuais, inclusive leitores de livros, cultivando espadas mágicas, duendes, anjos da guarda e até povos do centro da Terra, vendo-os sob o prisma da realidade, quando só deveriam ser vistos como mitologia. Carl Jung chama a atenção para a necessidade do mundo intermediário da fantasia mítica, para que o indivíduo não se torne apenas presa do doutrinarismo. Porém, o interesse por um misticismo ou por correntes ideológicas fundadas sobre hipóteses não demonstráveis constitui um perigo para mentes fracas e sugestionáveis, que “poderão tomar esses pressentimentos por conhecimentos e assim hipostasiar fantasias.”
Também foi Jung, conterrâneo de Bonnet, quem definiu a crença nos ovnis (antes atendendo pelo charmoso nome de discos voadores) como um fenômeno de histeria coletiva. Logo após a Segunda Grande Guerra e com o assombroso advento da Bomba, surgiram ficções baseadas na modernidade tecnológica, como se nossos semelhantes extraplanetários pudessem nos salvar de nossas próprias armas. Ou, no caso dos esperançosos mais amedrontados, nos destruir de uma vez.
As chamadas pseudociências, como a alquimia e a astrologia, são heranças ptolomaicas, cabíveis na época, pois quase nada se conhecia dos sistemas planetários ou da psicologia humana. Há algum sinal de enfraquecimento dessas tendências, hoje vistas principalmente com bom humor e como algo que sirva a nos divertir no cotidiano, embora haja também defensores de conceitos aparentemente sérios envolvendo relações zodiacais, mapas astrais e outros filhotes dos horoscopistas mais antigos.
No início do terceiro milênio, as religiões se fragmentaram, para não dizer que se estilhaçaram, em inúmeros templos menores, tal a necessidade de se variar sobre um mesmo tema e adaptá-lo à heterogeneidade dos grupos humanos e das diferenças ideológicas, grupos que têm em comum a procura de uma resposta mística que legitime sua existência. E assim o Advento do Anjo, a Salvação Penitencial, a Colisão Cósmica, a Seiva da Mandrágora e incontáveis outras ordens, cada qual reivindicando ser sua a verdade, multiplicam-se por um mundo e um tempo que os homens não puderam ainda organizar. Há pouco mais de um século, o poeta Rimbaud perguntava: para que serve um mundo de tantas modernidades se ainda se inventam tais venenos?
A maior parte dos humanos tem alguma dificuldade em aceitar seu papel na natureza. Parece simples demais. Parece verdadeiro demais. E partem em busca do Santo Graal, nos confins de seu inconsciente.
Leia mais sobre o tema: O Bom Velhinho vende
http://www.percepolegatto.com.br/2010/09/21/crencas-e-ficcoes/


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